Organizações apresentam proposta para descanalizar cursos d’água até 2040
Sob o asfalto de avenidas movimentadas de BH, rios seguem seu curso em silêncio. Correndo por debaixo de vias como Afonso Pena, Prudente de Morais, Pedro II e Silviano Brandão, estão córregos que um dia fizeram parte da paisagem visível da cidade. Foram, ao longo dos anos, cobertos pelo concreto e deixaram de ser lembrados como parte viva da capital.
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De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a cidade tem hoje cerca de 700 quilômetros de córregos e ribeirões. Destes, 208 km foram canalizados ou revestidos: 165 estão sob canal fechado e 43 em canal aberto.
O restante corre em leito natural, 200 km na área urbana e 300 km em áreas de preservação.
Entre os cursos mais extensos cobertos está o Ribeirão Arrudas, com cerca de cinco quilômetros ocultos sob o Boulevard, que leva seu nome. A cobertura começou em 2007, em obra do governo estadual, e teve sua última etapa concluída em 2013.
Ainda há previsão de mais 1,3 km de pavimentação. O ribeirão, que um dia esteve à vista, agora só é percebido por quem repara no som abafado da água sob a estrutura ou nas placas que indicam sua presença.
Os jardins que acompanham o Boulevard foram pensados para compor a paisagem, mas só podem ser vistos de dentro dos carros. O eio a pé, o contato com a água ou a sombra das margens não fazem parte da experiência cotidiana.
As chamadas “avenidas sanitárias” começaram a surgir como solução para o avanço da urbanização e o controle das enchentes. A ideia era criar canais subterrâneos que dessem vazão à água da chuva, liberando espaço para avenidas e construções.
O modelo se espalhou, apagando córregos da paisagem e da memória coletiva.
Mas nem todos esqueceram. Ainda há quem conte histórias de pescaria no Arrudas, de mergulhos no Córrego da Serra ou de brincadeiras no Ribeirão do Onça. Há registros de uma cachoeira no ponto exato onde hoje está o Palácio das Artes. A cidade mudou, mas as lembranças permanecem.
Em fevereiro deste ano, mais de vinte organizações entregaram à Câmara Municipal um documento com propostas para reverter esse apagamento. O texto propõe um plano de descanalização dos rios de Belo Horizonte, com metas para que, até 2040, parte significativa dos cursos d’água volte a correr em leitos naturais ou semi-naturais.
A ideia é simples: substituir obras emergenciais de contenção de enchentes por políticas urbanas de longo prazo, que respeitem a dinâmica natural da água e integrem os rios à vida da cidade.
BH é cortada por duas principais bacias hidrográficas: a do Ribeirão da Onça e a do Ribeirão Arrudas. Juntas, cobrem mais de 400 km² do território municipal.
A primeira é dividida pela barragem que forma a Lagoa da Pampulha. A segunda abriga os córregos Jatobá, Barreiro e Ferrugem.
A cidade lida com escoamentos rápidos, que exigem cuidado e planejamento. Em tempos de chuva intensa, enchentes se tornam recorrentes, trazendo à tona um problema que o concreto não resolveu, a convivência urbana com a água.